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  • Foto do escritorVale PCD

A invisibilidade da pessoa surda unilateral, por Laís Guimarães.

Atualizado: 8 de jul. de 2020


Foto de Laís sorrindo, usando brincos de argola dourados, maquiagem com glitter e cabelos presos na parte de cima. A logo do projeto está no canto inferior esquerdo.

 

O diagnóstico de quando perdi a audição do ouvido direito não é certo. Nasci com otite (infecção de ouvido) e saí da maternidade tomando antibióticos. Aos 4 anos, em uma cirurgia de amigdalectomia, coloquei carretéis de ventilação nos ouvidos, de forma a impedir ou minimizar infecções, e é partir dessa idade que tenho lembranças de não ouvir do ouvido direito. Pelo fato de tudo ter acontecido quando era muito nova, nem sequer me lembro se algum dia tive a audição perfeita ou de qual seria a sensação de ouvir dos dois ouvidos.


Por muito tempo, achei que não era válido me importar com as brincadeiras e piadas sobre a minha surdez, não me considerava PCD e acredito que muitas pessoas que faziam tais brincadeiras também não percebiam que se tratava de uma deficiência e por isso não viam nada demais em brincar. Nunca revidei ou demonstrei descontentamento por achar que estaria sendo intolerante ou faltando com senso de humor, mesmo ficando chateada com cada comentário em tom jocoso a respeito da minha audição.


Na minha opinião existe sim uma desqualificação quanto a minha deficiência por ela não ser visível, porque as consequências e dificuldades que enfrento devido a surdez unilateral também não são visíveis. Como exemplo dessas consequências, posso citar o equilíbrio e coordenação motora que são afetados pela audição, a atenção, concentração, noções de distância e direção com base em sons emitidos em determinado local, entre muitos outros problemas que não são discutidos. Pela minha experiência, já conversei com pessoas que apesar de terem certa sensibilidade para outras deficiências, me disseram nunca terem imaginado que um surdo unilateral enfrentava essas dificuldades, assim como conheci pessoas que não fariam piadas ou brincadeiras com outras deficiências, como amputação de membros, etc., mas se sentiram no direito de brincar a respeito da minha deficiência por não enxergarem as dificuldades que ela implica.


Não faz muito tempo que me dei conta de que sou PCD, talvez um ano ou menos. Creio que foi nesse ano de 2020 que admiti pra mim mesma que tenho uma deficiência e sequer consigo determinar qual foi o momento exato que isso aconteceu. Acho que justamente por não ser visível e por eu ter convivido com isso a vida inteira, não enxergava como uma deficiência. Acho que ainda não processei bem o sentimento. Apesar de ter sentido um certo alívio em conseguir assumir isso e saber que não é errado ou vergonha falar da minha deficiência, ainda sinto um certo constrangimento ao falar em voz alta e com outras pessoas que sou PCD. Me dar conta que sou PCD também me fez notar que sinto um certo desconforto em falar sobre o assunto com amigos e familiares, dependendo do tom que é adotado na conversa. Na minha opinião, certas posturas e situações se assemelham ao ato de “encarar” uma pessoa com uma deficiência visível, e me fazem sentir como se apresentasse uma exoticidade, e de maneira negativa. Enfim, apesar de ainda estar digerindo o sentimento de me perceber PCD, isso tem me permitido dar atenção a algumas sensações que eu fazia questão de abafar por não achar que eram dignas de serem sentidas.


Como já citei mais acima no texto, enfrento algumas dificuldades que realmente interferem no meu desempenho, como atenção e concentração. Isso reflete, por exemplo, na sala de aula, onde devo escolher um lugar estratégico de maneira que eu fique posicionada a maior parte do tempo com meu lado esquerdo virado para o professor ou palestrante, evitar sentar com meu lado esquerdo próximo a janelas e corredores etc. Outras dificuldades tem menos impacto e menos visibilidade, como plataformas que “dividem” instrumentos, vocais, personagens de entrevista, entre um lado e outro dos fones de ouvido, não proporcionando uma experiência completa de áudio para surdos unilaterais. Em eventos ou locais cheios ou com som alto, onde se torna comum que pessoas de um mesmo grupo se comuniquem falando no ouvido umas das outras, é quando eu evito um diálogo pra ter que me poupar de ter que “guiar” as pessoas pro meu lado esquerdo, já que algumas não sabem ou não se lembram de que é inútil me dizer algo no ouvido direito. Esses são alguns pequenos problemas que enfrento em momentos de lazer, que apesar de inconvenientes, não chegam perto dos citados antes ou de outros, como a maneira que a surdez unilateral me atrapalha ao volante, já que não consigo ouvir outros integrantes do mesmo carro enquanto dirijo por ter toda a poluição sonora do trânsito invadindo meu ouvido esquerdo.


Na minha opinião, o primeiro passo para se iniciar um processo de inclusão e acessibilidade é explorar o assunto de maneira responsável, promovendo discussões e difundindo informação sobre deficiências não visíveis e como elas afetam as pessoas com deficiência. Creio que a falta de representatividade e discussão sobre o assunto é o que reforça a desqualificação dessas deficiências, o que prejudica o avanço em acessibilidade.


Eu mesma não conheço sequer um influenciador ou pessoa famosa que seja surdo unilateral, ninguém que possa abordar com seriedade os tópicos envolvendo esse assunto. Sei que meus amigos próximos também não conhecem, porque sou a fonte de informação sobre surdez unilateral para eles, e sempre que conversei sobre isso, me disseram que nunca imaginaram que um surdo unilateral passasse por certas dificuldades, e que não faziam ideia do impacto que a deficiência tem no desempenho da pessoa em diversas áreas, deixando claro que nunca haviam discutido esse assunto com outra pessoa antes.


Com isso, encerro ressaltando a importância da representatividade, discussão e acessibilidade para o público PCD. Ambientes e estabelecimentos LGBT que estejam abertos a discutir e até mesmo adotar medidas de inclusão ainda não são recorrentes e poderiam promover e difundir a pauta dentro da comunidade LGBTQI+, expandindo o conhecimento da causa.

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